Entidade critica distorções que impedem agricultores de acessar linhas de crédito. No Paraná, apenas 50 municípios foram habilitados
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) publicou a Portaria 114/2025, que lista os 1.363 municípios brasileiros habilitados a acessar a linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para renegociação de dívidas rurais. No Paraná, apenas 50 municípios foram incluídos, número inferior aos 129 estimados inicialmente pelo Sistema FAEP.
A entidade paranaense critica os critérios definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que condicionam o acesso ao crédito a dois fatores: percentuais médios de perda calculados pela Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a existência de ao menos dois decretos municipais de calamidade ou emergência reconhecidos pelo governo federal entre 2020 e 2024. Pela norma, só estão aptos os municípios que registraram perdas acima de 20% em duas das três principais atividades agrícolas, com base nos dados do PAM/IBGE.
NT n° 18 - Nota Técnica | DTE Data: 01 de outubro de 2025. Elaborado por: Anderson Sartorelli
Assunto: Renegociação de dívidas rurais: critérios da Portaria SPA/MAPA nº 114/2025 excluem milhares de produtores paranaenses
O Conselho Monetário Nacional (CMN) publicou a Resolução nº 5.247/2025, autorizando a renegociação de dívidas rurais em função das adversidades climáticas que afetaram a produção agrícola nos últimos anos. Entretanto, a Portaria SPA/MAPA nº 114/2025, ao regulamentar o acesso ao benefício, criou critérios excessivamente restritivos, que acabam por excluir grande parte dos produtores que efetivamente tiveram perdas severas.
Segundo a norma, para que os municípios sejam contemplados, é necessário:
- Existência de dois decretos de emergência ou calamidade entre os anos de 2020 e 2024;
- Comprovação de perdas em duas das três principais culturas municipais, com base nos dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM/IBGE).
Essa metodologia ignora a diversidade e a dinâmica da agricultura paranaense, onde eventos climáticos localizados impactam diretamente a renda de milhares de agricultores, mesmo em municípios que não registraram decretos múltiplos ou que não apresentam perdas em duas culturas ao mesmo tempo.
Além disso, a utilização da PAM como único parâmetro estatístico apresenta limitações. A metodologia da Portaria determina que o rendimento médio anual das culturas, em cada município, seja comparado com um rendimento de referência, calculado como o maior valor observado entre 2020 e 2024.
O problema é que, para municípios que sofreram perdas recorrentes ao longo de todo o período, o rendimento médio fica artificialmente achatado. Ou seja, quando há quebras sucessivas de safra, o rendimento médio já se apresenta em um patamar baixo, não havendo contraste suficiente para que uma frustração recente seja caracterizada como perda de 20% em relação ao “referencial”. Isso cria uma injustiça metodológica, municípios mais duramente atingidos ano após ano são, paradoxalmente, os que têm menos chance de comprovar perdas pelo critério adotado.
Exemplo:
Um município que produzia soja com rendimento de 3.800 kg/ha em 2019 e, a partir de 2020, passou a enfrentar secas severas, colhendo em torno de 2.500–2.800 kg/ha todos
os anos, terá como rendimento de referência um desses anos médios, e não o potencial produtivo anterior.
Nesse cenário, não haverá queda superior a 20% em relação ao referencial, mesmo que o produtor esteja há cinco anos colhendo muito abaixo do seu potencial econômico real.
Essa metodologia não capta o impacto real das perdas sucessivas, mas apenas choques abruptos em relação a um único ano de pico. Isso distorce o objetivo da política pública, que deveria reconhecer justamente a incapacidade de recuperação financeira dos produtores após vários anos de frustrações consecutivas.
O critério utilizado penaliza os municípios mais atingidos, aqueles que vêm acumulando perdas desde 2020. A metodologia, ao invés de identificar a gravidade da situação, camufla o problema, criando uma fotografia estatística que não condiz com a realidade do campo.
No caso do Paraná, a metodologia definida pela Portaria SPA/MAPA nº 114/2025 revela um paradoxo injusto. Entre 2020 e 2023, o estado enfrentou quatro anos consecutivos de estiagens severas, registradas em praticamente todas as regiões produtoras. Esses eventos climáticos reduziram de forma drástica a produtividade de culturas estratégicas como soja, milho, trigo e feijão, comprometendo o rendimento médio do período.
Com base no critério da portaria, o rendimento de referência para cada município é definido como o maior valor observado entre 2020 e 2024. Porém, como a maior parte desse intervalo foi marcada por perdas repetidas, o rendimento médio municipal já se encontra em um patamar historicamente baixo. Isso gera duas distorções graves:
§ Camuflagem das perdas sucessivas: Municípios que sofreram quebras de safra em todos os anos do período acabam não registrando “novas” quedas de 20% em relação ao rendimento de referência, justamente porque não tiveram nenhum ano de plena normalidade para servir de comparação justa.
§ Exclusão dos mais prejudicados: Paradoxalmente, os municípios que mais acumularam perdas nos últimos anos e, portanto, apresentam os produtores mais endividados e fragilizados financeiramente são justamente os que terão menores chances de se enquadrar nos critérios.
O efeito prático é grave: produtores que há quatro safras convivem com colheitas abaixo do seu potencial, acumulando dívidas e descapitalização, serão excluídos da renegociação de dívidas, justamente por causa de um critério metodológico mal calibrado.
Nota Técnica: Renegociação de dívidas – Metodologia de aferição de perdas de rendimento agrícola municipais
Para o Sistema FAEP, essa metodologia não retrata a realidade do campo. Os critérios restritivos prejudicam milhares de produtores que sofreram diretamente os efeitos de secas e outras intempéries desde 2020, mesmo em municípios que não tiveram decretos múltiplos ou perdas em duas culturas simultaneamente.
“Não é razoável que o agricultor que perdeu sua produção fique de fora de uma linha de crédito por causa de um critério estatístico que não traduz a realidade do campo. Condicionar o acesso dos produtores a percentuais médios regionais ignora a especificidade de cada propriedade e a extensão efetiva dos prejuízos”, afirma o presidente interino do Sistema FAEP, Ágide Eduardo Meneguette.
Segundo a entidade paranaense, o acesso deveria ser garantido com base em laudos técnicos de profissionais habilitados – já previstos na Resolução 5.247/2025 –, sem depender de índices que não captam a dimensão real das perdas. O cálculo oficial compara a produção atual de cada município com o maior rendimento médio entre 2020 e 2024. Na prática, isso inviabiliza a comprovação de perdas em locais que enfrentaram várias safras ruins, já que suas médias ficaram artificialmente baixas.
Entre 2020 e 2023, o Paraná enfrentou quatro anos seguidos de estiagens severas, que reduziram a produção de soja, milho, trigo e feijão em praticamente todas as regiões. “Os produtores mais castigados pelas adversidades climáticas são justamente os que têm menos chance de comprovar perdas, porque as médias dos municípios já estão em patamares muito baixos. Esse modelo acaba punindo justamente quem mais precisa de apoio para se reerguer”, conclui Meneguette.